O MPLA está no poder desde 1975 e desde 1979 o seu patrono, patrão e accionista maioritário é José Eduardo dos Santos. Como se isso não fosse suficiente, o regime uninominal do Presidente quer continuar a ter Angola como seu feudo aí por mais 30 anos.
Por Orlando Castro
Com o poder absoluto que tem nas mãos já trémulas mas inolvidavelmente manchadas de sangue, muito sangue, (é também o presidente do MPLA e chefe do Governo), José Eduardo dos Santos é um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático, há mais tempo em exercício.
Sabe todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. É o caso do MPLA. É o caso de Eduardo dos Santos que, há 37 anos, põe e dispõe dos angolanos como se fossem (e de facto são) seus escravos.
Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Mas porque, mesmo famintos, os angolanos começam há muito tempo a estar fartos de votar no seu algoz, o MPLA jogou pelo seguro e comprou os melhores especialistas em fraudes eleitorais.
Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível. Mas se o reino de sua majestade não é uma democracia nem um Estado de Direito, por que carga de chuva teria de respeitar as regras? Ora aí está. Se Kim Jong-un ou Teodoro Obiang não as respeitam, porque carga de chuva José Eduardo dos Santos teria de as respeitar?
África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.
Acresce que todos os ditadores estão dispostos, reconheça-se, a realizar eleições nos seus reinos. E até não se importam de perder. Impõem, contudo, uma legítima condição: mesmo perdendo querem continuar no poder. Haverá melhor forma de democracia?
Com Eduardo dos Santos passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau para a maioria dos angolanos, e de bom, de óptimo para os donos do Poder. Permitiu, por exemplo, ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.
É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão. Veja-se o 27 de Maio de 1977.
Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo (comprado com o sangue dos angolanos) de grande estadista. Rótulo que não corresponde, por muita força que os dólares tenham, ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico. Âmbito este que é o único que interessa às ditas superpotências.
É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Bem visível na caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santo, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo, seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos fiscais.
Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.
Desde 2002, o presidente vitalício de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente. Veremos se, agora e depois de uma importante aprendizagem, a CASA-CE conseguirá dar a volta ao nosso tenebroso Inverno mostrando que, também nós, temos direito à Primavera.
Não cremos que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com 37 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.
Mas essa também não é uma preocupação de Eduardo dos Santos. Quando se tem milhões e milhões, pouco importa se eles foram roubados ao erário público e muito menos como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.
Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala.
Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha cada vez mais fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas.
Por alguma razão Angola é um dos países mais corruptos do mundo, é um dos países com piores práticas democráticas, é um país com enormes assimetrias sociais, é um país com o maior índice de mortalidade infantil do mundo.
É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 37 anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos. Até um dia, como é óbvio.